domingo, 17 de julho de 2011

O homem que sabia javanês (Lima Barreto)

Em uma confeitaria, certa vez, ao meu amigo Castro, contava eu as partidas que havia pregado às convicções e às respeitabilidades, para poder viver.
Houve mesmo, uma dada ocasião, quando estive em Manaus, em que fui obrigado a esconder a minha qualidade de bacharel, para mais confiança obter dos clientes, que afluíam ao meu escritório de feiticeiro e adivinho. Contava eu isso.
O meu amigo ouvia-me calado, embevecido, gostando daquele meu Gil Blas vivido, até que, em uma pausa da conversa, ao esgotarmos os copos, observou a esmo:
- Tens levado uma vida bem engraçada, Castelo!
- Só assim se pode viver... Isto de uma ocupação única: sair de casa a certas horas, voltar a outras, aborrece, não achas? Não sei como me tenho agüentado lá, no consulado!
- Cansa-se; mas, não é disso que me admiro. O que me admira, é que tenhas corrido tantas aventuras aqui, neste Brasil imbecil e burocrático.
- Qual! Aqui mesmo, meu caro Castro, se podem arranjar belas páginas de vida. Imagina tu que eu já fui professor de javanês!
- Quando? Aqui, depois que voltaste do consulado?
- Não; antes. E, por sinal, fui nomeado cônsul por isso.
- Conta lá como foi. Bebes mais cerveja?
- Bebo.
Mandamos buscar mais outra garrafa, enchemos os copos, e continuei:
- Eu tinha chegado havia pouco ao Rio estava literalmente na miséria. Vivia fugido de casa de pensão em casa de pensão, sem saber onde e como ganhar dinheiro, quando li no Jornal do Comércio o anuncio seguinte:
"Precisa-se de um professor de língua javanesa. Cartas, etc." Ora, disse cá comigo, está ali uma colocação que não terá muitos concorrentes; se eu capiscasse quatro palavras, ia apresentar-me. Saí do café e andei pelas ruas, sempre a imaginar-me professor de javanês, ganhando dinheiro, andando de bonde e sem encontros desagradáveis com os "cadáveres". Insensivelmente dirigi-me à Biblioteca Nacional. Não sabia bem que livro iria pedir; mas, entrei, entreguei o chapéu ao porteiro, recebi a senha e subi. Na escada, acudiu-me pedir a Grande Encyclopédie, letra J, a fim de consultar o artigo relativo a Java e a língua javanesa. Dito e feito. Fiquei sabendo, ao fim de alguns minutos, que Java era uma grande ilha do arquipélago de Sonda, colônia holandesa, e o javanês, língua aglutinante do grupo maleo-polinésico, possuía uma literatura digna de nota e escrita em caracteres derivados do velho alfabeto hindu.
A Encyclopédie dava-me indicação de trabalhos sobre a tal língua malaia e não tive dúvidas em consultar um deles. Copiei o alfabeto, a sua pronunciação figurada e saí. Andei pelas ruas, perambulando e mastigando letras. Na minha cabeça dançavam hieróglifos; de quando em quando consultava as minhas notas; entrava nos jardins e escrevia estes calungas na areia para guardá-los bem na memória e habituar a mão a escrevê-los.
À noite, quando pude entrar em casa sem ser visto, para evitar indiscretas perguntas do encarregado, ainda continuei no quarto a engolir o meu "a-b-c" malaio, e, com tanto afinco levei o propósito que, de manhã, o sabia perfeitamente.
Convenci-me que aquela era a língua mais fácil do mundo e saí; mas não tão cedo que não me encontrasse com o encarregado dos aluguéis dos cômodos:
- Senhor Castelo, quando salda a sua conta?
Respondi-lhe então eu, com a mais encantadora esperança:
- Breve... Espere um pouco... Tenha paciência... Vou ser nomeado professor de javanês, e...
Por aí o homem interrompeu-me:
- Que diabo vem a ser isso, Senhor Castelo?
Gostei da diversão e ataquei o patriotismo do homem:
- É uma língua que se fala lá pelas bandas do Timor. Sabe onde é?
Oh! alma ingênua! O homem esqueceu-se da minha dívida e disse-me com aquele falar forte dos portugueses:
- Eu cá por mim, não sei bem; mas ouvi dizer que são umas terras que temos lá para os lados de Macau. E o senhor sabe isso, Senhor Castelo?
Animado com esta saída feliz que me deu o javanês, voltei a procurar o anúncio. Lá estava ele. Resolvi animosamente propor-me ao professorado do idioma oceânico. Redigi a resposta, passei pelo Jornal e lá deixei a carta. Em seguida, voltei à biblioteca e continuei os meus estudos de javanês. Não fiz grandes progressos nesse dia, não sei se por julgar o alfabeto javanês o único saber necessário a um professor de língua malaia ou se por ter me empenhado mais na bibliografia e história literária do idioma que ia ensinar.
Ao cabo de dois dias, recebia eu uma carta para ir falar ao doutor Manuel Feliciano Soares Albernaz, Barão de Jacuecanga, à Rua Conde de Bonfim, não me recordo bem que numero. E preciso não te esqueceres que entrementes continuei estudando o meu malaio, isto é, o tal javanês. Além do alfabeto, fiquei sabendo o nome de alguns autores, também perguntar e responder "como está o senhor?" - e duas ou três regras de gramática, lastrado todo esse saber com vinte palavras do léxico.
Não imaginas as grandes dificuldades com que lutei, para arranjar os quatrocentos réis da viagem! É mais fácil - podes ficar certo - aprender o javanês... Fui a pé. Cheguei suadíssimo; e, Com maternal carinho, as anosas mangueiras, que se perfilavam em alameda diante da casa do titular, me receberam, me acolheram e me reconfortaram. Em toda a minha vida, foi o único momento em que cheguei a sentir a simpatia da natureza...
Era uma casa enorme que parecia estar deserta; estava mal tratada, mas não sei porque me veio pensar que nesse mau tratamento havia mais desleixo e cansaço de viver que mesmo pobreza. Devia haver anos que não era pintada. As paredes descascavam e os beirais do telhado, daquelas telhas vidradas de outros tempos, estavam desguarnecidos aqui e ali, como dentaduras decadentes ou mal cuidadas.
Olhei um pouco o jardim e vi a pujança vingativa com que a tiririca e o carrapicho tinham expulsado os tinhorões e as begônias. Os crótons continuavam, porém, a viver com a sua folhagem de cores mortiças. Bati. Custaram-me a abrir. Veio, por fim, um antigo preto africano, cujas barbas e cabelo de algodão davam à sua fisionomia uma aguda impressão de velhice, doçura e sofrimento.
Na sala, havia uma galeria de retratos: arrogantes senhores de barba em colar se perfilavam enquadrados em imensas molduras douradas, e doces perfis de senhoras, em bandós, com grandes leques, pareciam querer subir aos ares, enfunadas pelos redondos vestidos à balão; mas, daquelas velhas coisas, sobre as quais a poeira punha mais antiguidade e respeito, a que gostei mais de ver foi um belo jarrão de porcelana da China ou da Índia, como se diz. Aquela pureza da louça, a sua fragilidade, a ingenuidade do desenho e aquele seu fosco brilho de luar, diziam-me a mim que aquele objeto tinha sido feito por mãos de criança, a sonhar, para encanto dos olhos fatigados dos velhos desiludidos...
Esperei um instante o dono da casa. Tardou um pouco. Um tanto trôpego, com o lenço de alcobaça na mão, tomando veneravelmente o simonte de antanho, foi cheio de respeito que o vi chegar. Tive vontade de ir-me embora. Mesmo se não fosse ele o discípulo, era sempre um crime mistificar aquele ancião, cuja velhice trazia à tona do meu pensamento alguma coisa de augusto, de sagrado. Hesitei, mas fiquei.
- Eu sou, avancei, o professor de javanês, que o senhor disse precisar.
- Sente-se, respondeu-me o velho. O senhor é daqui, do Rio?
- Não, sou de Canavieiras.
- Como? fez ele. Fale um pouco alto, que sou surdo, - Sou de Canavieiras, na Bahia, insisti eu. - Onde fez os seus estudos?
- Em São Salvador.
- Em onde aprendeu o javanês? indagou ele, com aquela teimosia peculiar aos velhos.
Não contava com essa pergunta, mas imediatamente arquitetei uma mentira. Contei-lhe que meu pai era javanês. Tripulante de um navio mercante, viera ter à Bahia, estabelecera-se nas proximidades de Canavieiras como pescador, casara, prosperara e fora com ele que aprendi javanês.
- E ele acreditou? E o físico? perguntou meu amigo, que até então me ouvira calado.
- Não sou, objetei, lá muito diferente de um javanês. Estes meus cabelos corridos, duros e grossos e a minha pele basané podem dar-me muito bem o aspecto de um mestiço de malaio...Tu sabes bem que, entre nós, há de tudo: índios, malaios, taitianos, malgaches, guanches, até godos. É uma comparsaria de raças e tipos de fazer inveja ao mundo inteiro.
- Bem, fez o meu amigo, continua.
- O velho, emendei eu, ouviu-me atentamente, considerou demoradamente o meu físico, pareceu que me julgava de fato filho de malaio e perguntou-me com doçura:
- Então está disposto a ensinar-me javanês?
- A resposta saiu-me sem querer: - Pois não.
- O senhor há de ficar admirado, aduziu o Barão de Jacuecanga, que eu, nesta idade, ainda queira aprender qualquer coisa, mas...
- Não tenho que admirar. Têm-se visto exemplos e exemplos muito fecundos... ? .
- O que eu quero, meu caro senhor...
- Castelo, adiantei eu.
- O que eu quero, meu caro Senhor Castelo, é cumprir um juramento de família. Não sei se o senhor sabe que eu sou neto do Conselheiro Albernaz, aquele que acompanhou Pedro I, quando abdicou. Voltando de Londres, trouxe para aqui um livro em língua esquisita, a que tinha grande estimação. Fora um hindu ou siamês que lho dera, em Londres, em agradecimento a não sei que serviço prestado por meu avô. Ao morrer meu avô, chamou meu pai e lhe disse: "Filho, tenho este livro aqui, escrito em javanês. Disse-me quem mo deu que ele evita desgraças e traz felicidades para quem o tem. Eu não sei nada ao certo. Em todo o caso, guarda-o; mas, se queres que o fado que me deitou o sábio oriental se cumpra, faze com que teu filho o entenda, para que sempre a nossa raça seja feliz”.Meu pai, continuou o velho barão, não acreditou muito na história; contudo, guardou o livro. Às portas da morte, ele mo deu e disse-me o que prometera ao pai. Em começo, pouco caso fiz da história do livro. Deitei-o a um canto e fabriquei minha vida. Cheguei até a esquecer-me dele; mas, de uns tempos a esta parte, tenho passado por tanto desgosto, tantas desgraças têm caído sobre a minha velhice que me 1embrei do talismã da família. Tenho que o ler, que o compreender, se não quero que os meus últimos dias anunciem o desastre da minha posteridade; e, para entendê-lo, é claro, que preciso entender o javanês. Eis aí.
Calou-se e notei que os olhos do velho se tinham orvalhado. Enxugou discretamente os olhos e perguntou-me se queria ver o tal livro. Respondi-lhe que sim. Chamou o criado, deu-lhe as instruções e explicou-me que perdera todos os filhos, sobrinhos, só lhe restando uma filha casada, cuja prole, porém, estava reduzida a um filho, débil de corpo e de saúde frágil e oscilante.
Veio o livro. Era um velho calhamaço, um in-quarto antigo, encadernado em couro, impresso em grandes letras, em um papel amarelado e grosso. Faltava a folha do rosto e por isso não se podia ler a data da impressão. Tinha ainda umas páginas de prefácio, escritas em inglês, onde li que se tratava das histórias do príncipe Kulanga, escritor javanês de muito mérito.
Logo informei disso o velho barão que, não percebendo que eu tinha chegado aí pelo inglês, ficou tendo em alta consideração o meu saber malaio. Estive ainda folheando o cartapácio, à laia de quem sabe magistralmente aquela espécie de vasconço, até que afinal contratamos as condições de preço e de hora, comprometendo-me a fazer com que ele lesse o tal alfarrábio antes de um ano.
Dentro em pouco, dava a minha primeira lição, mas o velho não foi tão diligente quanto eu. Não conseguia aprender a distinguir e a escrever nem sequer quatro letras. Enfim, com metade do alfabeto levamos um mês e o Senhor Barão de Jacuecanga não ficou lá muito senhor da matéria: aprendia e desaprendia.
A filha e o genro (penso que até aí nada sabiam da história do livro) vieram a ter notícias do estudo do velho; não se incomodaram. Acharam graça e julgaram a coisa boa para distraí-lo.
Mas com o que tu vais ficar assombrado, meu caro Castro, é com a admiração que o genro ficou tendo pelo professor de javanês. Que coisa Única! Ele não se cansava de repetir: "É um assombro! Tão moço! Se eu soubesse isso, ah! onde estava!”
O marido de Dona Maria da Glória (assim se chamava a filha do barão), era desembargador, homem relacionado e poderoso; mas não se pejava em mostrar diante de todo o mundo a sua admiração pelo meu javanês. Por outro lado, o barão estava contentíssimo. Ao fim de dois meses, desistira da aprendizagem e pedira-me que lhe traduzisse, um dia sim outro não, um trecho do livro encantado. Bastava entendê-lo, disse-me ele; nada se opunha que outrem o traduzisse e ele ouvisse. Assim evitava a fadiga do estudo e cumpria o encargo.
Sabes bem que até hoje nada sei de javanês, mas compus umas histórias bem tolas e impingi-as ao velhote como sendo do crônicon. Como ele ouvia aquelas bobagens!...
Ficava extático, como se estivesse a ouvir palavras de um anjo. E eu crescia aos seus olhos!
Fez-me morar em sua casa, enchia-me de presentes, aumentava-me o ordenado. Passava, enfim, uma vida regalada.
Contribuiu muito para isso o fato de vir ele a receber uma herança de um seu parente esquecido que vivia em Portugal. O bom velho atribuiu a cousa ao meu javanês; e eu estive quase a crê-lo também.
Fui perdendo os remorsos; mas, em todo o caso, sempre tive medo que me aparecesse pela frente alguém que soubesse o tal patuá malaio. E esse meu temor foi grande, quando o doce barão me mandou com uma carta ao Visconde de Caruru, para que me fizesse entrar na diplomacia. Fiz-lhe todas as objeções: a minha fealdade, a falta de elegância, o meu aspecto tagalo. - "Qual! retrucava ele. Vá, menino; você sabe javanês!" Fui. Mandou-me o visconde para a Secretaria dos Estrangeiros com diversas recomendações. Foi um sucesso.
O diretor chamou os chefes de secção: "Vejam só, um homem que sabe javanês - que portento!"
Os chefes de secção levaram-me aos oficiais e amanuenses e houve um destes que me olhou mais com ódio do que com inveja ou admiração. E todos diziam: "Então sabe javanês? É difícil? Não há quem o saiba aqui!"
O tal amanuense, que me olhou com ódio, acudiu então: "É verdade, mas eu sei canaque. O senhor sabe?" Disse-lhe que não e fui à presença do ministro.
A alta autoridade levantou-se, pôs as mãos às cadeiras, concertou o pince-nez no nariz e perguntou: "Então, sabe javanês?" Respondi-lhe que sim; e, à sua pergunta onde o tinha aprendido, contei-lhe a história do tal pai javanês. "Bem, disse-me o ministro, o senhor não deve ir para a diplomacia; o seu físico não se presta... O bom seria um consulado na Ásia ou Oceania. Por ora, não há vaga, mas vou fazer uma reforma e o senhor entrará. De hoje em diante, porém, fica adido ao meu ministério e quero que, para o ano, parta para Bâle, onde vai representar o Brasil no Congresso de Lingüística. Estude, leia o Hovelacque, o Max Müller, e outros!"
Imagina tu que eu até aí nada sabia de javanês, mas estava empregado e iria representar o Brasil em um congresso de sábios.
O velho barão veio a morrer, passou o livro ao genro para que o fizesse chegar ao neto, quando tivesse a idade conveniente e fez-me uma deixa no testamento.
Pus-me com afã no estudo das línguas maleo-polinésicas; mas não havia meio!
Bem jantado, bem vestido, bem dormido, não tinha energia necessária para fazer entrar na cachola aquelas coisas esquisitas. Comprei livros, assinei revistas: Revue Anthropologique et Linguistique, Proceedings of the English-Oceanic Association, Archivo Glottologico Italiano, o diabo, mas nada! E a minha fama crescia. Na rua, os informados apontavam-me, dizendo aos outros: "Lá vai o sujeito que sabe javanês”.Nas livrarias, os gramáticos consultavam-me sobre a colocação dos pronomes no tal jargão das ilhas de Sonda. Recebia cartas dos eruditos do interior, os jornais citavam o meu saber e recusei aceitar uma turma de alunos sequiosos de entenderem o tal javanês. A convite da redação, escrevi, no Jornal do Comércio um artigo de quatro colunas sobre a literatura javanesa antiga e moderna...
- Como, se tu nada sabias? interrompeu-me o atento Castro.
- Muito simplesmente: primeiramente, descrevi a ilha de Java, com o auxílio de dicionários e umas poucas de geografias, e depois citei a mais não poder.
- E nunca duvidaram? perguntou-me ainda o meu amigo.
- Nunca. Isto é, uma vez quase fico perdido. A polícia prendeu um sujeito, um marujo, um tipo bronzeado que só falava uma língua esquisita. Chamaram diversos intérpretes, ninguém o entendia. Fui também chamado, com todos os respeitos que a minha sabedoria merecia, naturalmente. Demorei-me em ir, mas fui afinal. O homem já estava solto, graças à intervenção do cônsul holandês, a quem ele se fez compreender com meia dúzia de palavras holandesas. E o tal marujo era javanês - uf!
Chegou, enfim, a época do congresso, e lá fui para a Europa. Que delícia! Assisti à inauguração e às sessões preparatórias. Inscreveram-me na secção do tupi-guarani e eu abalei para Paris. Antes, porém, fiz publicar no Mensageiro de Bâle o meu retrato, notas biográficas e bibliográficas. Quando voltei, o presidente pediu-me desculpas por me ter dado aquela secção; não conhecia os meus trabalhos e julgara que, por ser eu americano brasileiro, me estava naturalmente indicada a secção do tupi-guarani. Aceitei as explicações e até hoje ainda não pude escrever as minhas obras sobre o javanês, para lhe mandar, conforme prometi.
Acabado o congresso, fiz publicar extratos do artigo do Mensageiro de Bâle, em Berlim, em Turim e Paris, onde os leitores de minhas obras me ofereceram um banquete, presidido pelo Senador Gorot. Custou-me toda essa brincadeira, inclusive o banquete que me foi oferecido, cerca de dez mil francos, quase toda a herança do crédulo e bom Barão de Jacuecanga.
Não perdi meu tempo nem meu dinheiro. Passei a ser uma glória nacional e, ao saltar no cais Pharoux, recebi uma ovação de todas as classes sociais e o presidente da república, dias depois, convidava-me para almoçar em sua companhia.
Dentro de seis meses fui despachado cônsul em Havana, onde estive seis anos e para onde voltarei, a fim de aperfeiçoar os meus estudos das línguas da Malaia, Melanésia e Polinésia.
- É fantástico, observou Castro, agarrando o copo de cerveja.
- Olha: se não fosse estar contente, sabes que ia ser?
- Que?
- Bacteriologista eminente. Vamos?
- Vamos.

Foto de Lima Barreto tirada em agosto de 1914, quando ele se encontrava internado no antigo Hospital Nacional de Alienados, no Rio de Janeiro. Diagnóstico: alcoolismo.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

terça-feira, 12 de julho de 2011

Aumenta o número de presos portugueses no Brasil

O número de portugueses detidos nas prisões brasileiras aumentou 41,8% entre dezembro de 2008 e o mesmo mês de 2010, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça. Em dezembro do ano passado, estavam presos no Brasil 95 cidadãos portugueses. Dois anos antes, eram 67. A maioria dos prisioneiros portugueses no Brasil foram apanhados em flagrante quando atuavam como "mulas", ou seja, como correio das drogas. As informações são da Agência Brasil.

Os presos do sexo masculino foram os responsáveis pelo aumento. O número de homens de nacionalidade portuguesa presos no Brasil cresceu 66,7% em dois anos, passando de 48 para 80. Já o número de mulheres caiu de 19 para 15.

O aumento da quantidade de portugueses que cumprem pena nas prisões brasileiras acompanha a tendência de subida do número total de presos europeus, que cresceu 57,8% nesses dois anos.

Os maiores aumentos percentuais foram registados entre cidadãos de países do Leste europeu, como a Romênia, com 192,6%, passando de 27 para 79 presos. Apesar de ter tido uma subida menor, Portugal é o segundo país da Europa com mais presos no Brasil, perdendo apenas para a Espanha. Os espanhóis totalizam 175 detidos em prisões brasileiras.

O tráfico internacional de drogas está na origem de quase todas as detenções de portugueses no Brasil, segundo o grupo de trabalho da Defensoria Pública da União que acompanha a situação dos presos estrangeiros no país. "É muito raro portugueses conseguirem a liberdade provisória, porque não têm vínculos com o país. Acabam ficando presos durante todo o processo", diz o defensor público federal Gustavo Henrique Virginelli. Para ele, as atuais dificuldades financeiras da Europa, e em Portugal em particular, tornam muitos portugueses presas fáceis dos traficantes. 
Fonte: Conjur

domingo, 10 de julho de 2011

River Plate rebaixado e o "homem pacífico"

O River Plate foi rebaixado para a série B do campeonato Argentino (fato inédito em 110 anos de história do clube), torcedores ensandecidos tomaram jatos d'água fria e a choradeira tomou conta da Argentina. A cena que fica é deste hilário senhor esbravejando em casa contra a situação lamentável do seu time. Vale a pena assistir aos 6 minutos de impropérios.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Rodízio de ovo frito é aqui

O TROPEIRO DO ZEZÉ de Contagem foi altamente recomendado por um amigo. Despreocupado com um entupimento venal ou aquela excludente ventuosidade intestinal, me indicou o único rodízio de ovo frito da região. Em breve vou conferir.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Burrice desenfreada

Acho que chegamos no fundo do poço da estupidez. Alguém pode dizer que esse poço não tem fundo. Difícil saber. O que ninguém questiona é que a internet se tornou o mais largo manancial de tosquices, amplamente difundidas sem qualquer pudor. Digo isso porque hoje surpreendi um amigo às gargalhadas diante da seguinte chamada 'jornalística', publicada num desses sites causadores de microcefalia:

Briga de Panicats vai para a Justiça: "Vamos ver quem vai rodar!"
Depois de ser acusada por Nicole Bahls de sacrificar animais para macumba, Juju Salimeni diz que já acionou seu advogado.

Será que eu fiquei tempo demais lá pelas bandas do Timor? Quem é Juju Salimeni macumbeira?? E Nicole Bahls?? Ahh não...

O terreno está fértil para o Ale. fazer as mais louváveis digressões sobre a burrice no A ordem natural.

Eles também já acionaram seus advogados para se proteger contra a macumba das Panicats

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Terror em slow motion

No dia 11 de março deste ano o tsunami que atingiu o Japão destruiu quase integralmente a cidade costeira de Minamisanriku. O vídeo mostra o poder da onda gigantesca, que vem de longe arrastando casas como folhas de papel. Naquele dia ainda estávamos em Dili e o alerta foi dado pela ONU. Ficamos de cabelo em pé, mas logo depois das sete da noite recebemos nova mensagem, informando que as ondas haviam cedido ao norte, na Indonésia. De todo modo, um sufoco. 

domingo, 26 de junho de 2011

Os oráculos (Miriam Leitão)

O ex-diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, poderoso pelo cargo e rico por casamento, é investigado por delegado e enfrentará um tribunal comum de Nova York. Marcos Valério e Delúbio Soares são investigados pelo procurador da República e julgados pelo Supremo Tribunal Federal. Que país está errado? O STF virou até corte criminal; e seus ministros, oráculos.

Quer saber se é possível casamento entre pessoas do mesmo sexo, se os cientistas podem ou não fazer pesquisas com células-tronco, se os Estados podem dar incentivos fiscais, se um ex-terrorista italiano deve ou não ficar no Brasil, se uma terra é indígena ou não, se pode haver marchas em favor da maconha?

Pergunte aos oráculos. O País chegou a um ponto estranho da nossa democracia em que onze pessoas decidem sobre assuntos aleatórios, substituem o Congresso, confirmam ou negam decisões do chefe do Executivo, submetem os Estados, criam despesas públicas, interferem na vida privada.

Na condição de oráculos da vida cotidiana, política e econômica eles deixam o País dependurado em algumas questões e são definitivos em outras. Já se sabe agora, graças a eles, que o órgão sexual é um "plus", mas não se sabe se o imposto reduzido graças a incentivos fiscais já concedidos será um plus no passivo das empresas ou não.

Da maneira como as coisas vão não será preciso governo, nem parlamentares, basta consultar os onze detentores desse poder vitalício de tudo arbitrar. Melhor ouvi-los, até porque todas as decisões podem ser revogadas dependendo do entendimento da corte. Claro que o Supremo é para decidir, em última instância, sobre controvérsias nas interpretações constitucionais, mas há um evidente exagero no número de questões levadas pelo País ao tribunal.

O Conselho de Política Fazendária, que reúne todos os secretários de fazenda dos Estados federados, pode decidir sobre incentivos fiscais estaduais; tem poderes e normas para isso. Se está havendo impasse, a União - que como o nome indica deve unir os entes que decidiram se organizar em federação - pode negociar uma reforma tributária ou então mudanças normativas que organizem e simplifiquem a cobrança de impostos entre os Estados.

O governador de São Paulo, antes de mandar a polícia reprimir manifestantes em favor da maconha, poderia ter perguntado a opinião do seu colega de partido, ex-presidente da República, que está provocando o País para um debate mais contemporâneo sobre o tema.

Sobrecarregados em suas sobrecasacas os ministros do Supremo não conseguem dar conta do recado. Pudera. Passam tardes inteiras em discussões sobre sexo dos anjos em vez de cuidar do papel institucional que devem desempenhar numa democracia madura, numa federação que faça jus ao nome.

O foro privilegiado para quem tem mandato ou cargo federal é discutível. Pior fica quando se decide que pessoas sem mandato devem ser julgadas pelo Supremo Tribunal Federal simplesmente porque estão apensos a um processo com alguém com privilégio ao foro.

O caso do mensalão prova essa distorção. Sabe-se o que fazem lá os então deputados ou ministros, mas não o que fazem pessoas que sequer tiveram um único voto, como Delúbio e Marcos Valério, entre outros menos votados ainda.

Não se pode mudar nada a esta altura, sem o risco de atrasar ainda mais o processo, mas o País poderia ao menos aprender com o episódio. O julgamento do mensalão será de parar o País e de soterrar o tribunal. Dias e dias serão necessários apenas para as considerações dos advogados das partes envolvidas.

No dia 8 de julho termina o prazo de 30 dias dado pelo ministro Joaquim Barbosa ao procurador-geral da República para que ele faça as considerações finais sobre o processo do mensalão. Eram 15 dias, mas o procurador pediu um prazo maior pela complexidade do caso. Depois disso, os réus terão um tempo - eram 15 dias, mas pode ser elevado para 30 - para fazerem também suas últimas considerações. O relator então preparará o seu voto.

A previsão é de que quando o voto for apresentado só o julgamento deverá tomar três semanas. Cada réu tem direito a uma hora de sustentação oral do seu advogado. Se todos os advogados usarem esse direito será mais de uma semana. Só a leitura do relatório demorará vários dias.

Isso sem falar nas inúmeras preliminares que deverão ser levantadas pelos ministros e nas questões ou questiúnculas que serão produzidas pelos advogados.

Há quem considere que o caso está muito lento. Mas para os padrões brasileiros não está. A entrevista-bomba do deputado Roberto Jefferson foi dada em junho de 2005. Houve a CPI que consumiu o ano de 2005. Houve toda a apuração do Ministério Público.

Em agosto de 2007 o Supremo Tribunal Federal recebeu a denúncia. Só então começou a ação penal. Estamos portanto completando o quarto ano da instrução. Só no caso de Pimenta Neves, réu confesso de homicídio, a Justiça levou onze anos para decidir que ele deveria ser preso.

Para os tempos brasileiros até que o STF não está lento, levando-se em conta que são muitos os réus e os crimes são mais difíceis de definir do que um assassinato. A grande questão é se todos eles deveriam ter sido mesmo julgados pelo STF ou se suas doutas eminências deveriam se dedicar a questões menos criminais e mais constitucionais, como estabelece a Constituição.
Texto publicado hoje, dia 26 de junho, no jornal O Tempo.

Os oráculos, além de espertos, são também figuras espirituosas. Falam até mesmo em 'salto triplo carpado hermenêutico' durante sessão de julgamento. É ver para crer.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

O direito fundamental ao almoço

Caramba, acho que sou a pessoa mais saudosista que eu conheço.  Tenho cá minhas dúvidas se isso é bom ou não. Nessa onda de lembranças aguçada pela saudade dos amigos de Timor-Leste, lembrei do Dr. Benevides Correia Barros, advogado timorense. Peça raríssima que não leva desaforo para casa. E valiosa num sistema que estimula a subserviência dos patronos em juízo.
Há um caso dele que é difícil esquecer: certo dia, estávamos numa audiência que começou cedo e ameaçava avançar pela tarde sem intervalo, para desespero de todo mundo, inclusive meu. Por volta de uma e meia ergue-se o Dr. Benevides de sua cadeira e pede a palavra. Inflamado, dispara: “Meritíssimo, requeiro a imediata suspensão desta audiência!”. O juiz português, intrigado, indaga: “Doutor, qual o fundamento do seu pedido?”. Sem pestanejar, vira o advogado e solta a seguinte pérola: “Invoco aqui o meu DIREITO FUNDAMENTAL AO ALMOÇO, MERITÍSSIMO!”.
Pego de surpresa com argumento tão irrefutável e deveras inusitado, não restou ao magistrado outra alternativa senão interromper os trabalhos. E fomos para casa exercer nossa justa prerrogativa. Iluminado esse Dr. Benevides.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

What Lafaek ao vivo em Dili

Filmagem feita pela Alice no dia 24 de outubro de 2010, durante as comemorações do Dia da ONU, em frente ao Palácio do Governo, na capital timorense.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Lars von Trier, o trêfego

Lars von Trier declara-se nazista e diz entender Hitler
O diretor Lars von Trier (Anticristo) é fã de polêmicas, tanto em entrevistas quanto em seus trabalhos, mas nesta quarta-feira (18/5), o choque da imprensa em Cannes foi maior, segundo o Hollywood Reporter. Durante coletiva de seu novo filme (Melancolia), o cineasta perdeu qualquer inibição e se definiu como nazista, além de falar que israelenses são "um pé no saco" e que entende e simpatiza com Adolf Hitler.

A avalanche de declarações, que poderia significar o fim instantâneo da carreira do diretor caso fosse feita nos Estados Unidos, veio após uma pergunta sobre suas raízes alemãs. Em sua resposta, ele disse: "Por muito tempo, eu pensei que era judeu e era feliz em ser judeu, então conheci a Susanne Bier (diretora judia de Em um mundo melhor) e não era mais tão feliz. Foi quando percebi que, na verdade, eu era um nazista. Minha família era alemã. E isso me deu prazer. O que posso dizer? Eu entendo Hitler. Eu simpatizo um pouco com ele."

Ele tentou se justificar em seguida: "Eu não quero dizer que sou a favor da Segunda Guerra Mundial ou que sou contra judeus (...), na verdade sou muito a favor deles. Todos os judeus. Bem, os israelenses são um pé no saco, mas...". Durante sua fala, as atrizes Kirsten Dunst (Entre segredos e mentiras) e Charlotte Gainsbourg (A árvore), que estão em Melancolia, olharam espantadas para o diretor, enquanto a sala de imprensa ficava dividida entre o choque e a risada, não sabendo se deviam levar a sério o que o dinamarquês falava.

Trier, que vem de uma família judia, também falou sobre seu cinema de forma dúbia. Para ele, Melancolia "pode ser ruim e há grande chance de nem valer a pena assistí-lo". Além disso, ele brincou que seu próximo projeto com Dunst e Gainsbourg seria um pornô de três a quatro horas com "bastante sexo desconfortável". Para finalizar, Trier foi perguntado sobre sua vontade de fazer um filme grandioso. "Sim, nós nazistas gostamos de fazer coisas grandiosas. Talvez eu posso filmar A Solução Final", disse se referindo ao plano nazista de extermínio geral dos judeus.

A impressão final, dada pelo Hollywood Reporter, é que as risadas do diretor após as respostas evidenciaram que a entrevista foi uma grande piada.

Fonte: Cineclick.

Em entrevista concedida durante o Festival de Cannes de 2009 (ver vídeo abaixo), o diretor foi colocado em saia justa por um repórter depois que este demandou justificativas sobre Anticristo, lançado naquela altura (na minha opinião, apenas mais um filme masoquista nonsense, com elevadas pretensões artísticas). Lars Von Trier respondeu que a obra devia-se "à mão de Deus" e que ele era o maior diretor de cinema do mundo. Um trêfego modesto, portanto.

terça-feira, 17 de maio de 2011

segunda-feira, 16 de maio de 2011

O filme mais inteligente de todos os tempos

Há pessoas que afirmam categoricamente que os argentinos não entendem patavina de futebol, são churrasqueiros de araque e merecem respeito tão somente pela sua empanada. Se os argumentos são válidos, não sei. Para mim não paira dúvida de que cinema eles sabem fazer.
Prova disso é o espetacular Nove Rainhas, lançado em 2000. O filme, aparentemente simples, conta a história de dois trambiqueiros que vivem em Buenos Aires e se vêem às voltas com um plano mirabolante para passar a perna num milionário colecionador de selos. A partir de certa altura, não sabemos mais quem está a enganar quem. E o final é para dar nó na cabeça.
Uma verdadeira celebração ao cinema inteligente, que faz lembrar de clássicos  como 12 homens e uma sentença, Chinatown e 11 homens e um segredo, pela capacidade de construir uma boa trama sem recorrer a qualquer tipo de pirotecnia hollywoodiana.