Prometi não fazer referência a fatos jurídicos neste blog. Entendo, contudo, que é importante dividir com os amigos e amigas, versados ou não no 'juridiquês', pequenos detalhes do meu trabalho em Timor Leste. Uns acham graça, outros entendem abomináveis ou mesmo curiosos, mas o certo é que alguns crimes previstos no Código Penal Timorense são mesmo dignos de menção.
É nítida a vontade do Estado de disciplinar nos mínimos detalhes a conduta das pessoas, usando termos vagos que acabam criando uma situação de incerteza para o cidadão. Fora a dificuldade de tornar efetiva a própria regra legal. Mas o importante, num país tão novo, é TER um Código Penal (o Código Civil em vigor, por exemplo, ainda é o indonésio). Vamos aos exemplos estranhos (fiz a transcrição literal da lei):
Art. 166º
Venda de pessoas
Quem, fora das situações previstas no artigo 163º, por qualquer acto ou por outra forma de transacção, transferir uma pessoa ou grupo de pessoas para outra pessoa ou grupo de pessoas mediante o pagamento de qualquer quantia ou outra contrapartida, recompensa ou vantagem, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
Artigo 181º
Exibicionismo sexual
1. Quem publicamente importunar outra pessoa com a prática de actos de carácter sexual é punido com pena de prisão até 3 anos ou multa.
2. Na mesma pena incorrem aqueles que, diante de outrem, praticarem coito vaginal, coito anal ou coito oral, contra a vontade daquele e mesmo que em privado.
3. A tentativa é punível.
Artigo 183°
Devassa
Aquele que por qualquer meio mesmo lícito, tomar conhecimento de factos relativos à intimidade da vida privada ou sexual de outra pessoa e, sem consentimento, os divulgar publicamente sem justa causa, é punido com pena de prisão até 1 ano ou multa.
Artigo 193º
Desobediência a ordem de dispersão
1. Quem não obedecer a ordem legítima de se retirar de ajuntamento ou reunião pública, dada por autoridade competente, com advertência de que a desobediência constitui crime, é punido com pena de prisão até 2 anos ou multa.
2. Se o desobediente for promotor da reunião ou do ajuntamento, é punido com pena de prisão até 3 anos ou multa.
Artigo 196º
Traição à Pátria
Quem, por meio de violência, ameaça de violência, usurpação ou abuso de funções de soberania, impedir ou tentar impedir o exercício da soberania nacional no território ou em parte do território de Timor-Leste ou puser em perigo a integridade do território nacional, como forma de submissão ou entrega a soberania estrangeira, é punido com pena de prisão de 15 a 30 anos.
Artigo 197º
Serviço ou colaboração com forças armadas inimigas
1. O cidadão timorense que colaborar com país ou grupos estrangeiros ou com os seus representantes, ou que servir debaixo da bandeira do país estrangeiro durante guerra ou acção armada contra Timor-Leste, é punido com pena de prisão de 12 a 25 anos.
2. Os actos preparatórios relativos aos factos descritos no número anterior são punidos com pena de prisão de 5 a 15 anos.
3. Quem, sendo timorense ou residente no território nacional, praticar actos adequados a ajudar ou facilitar qualquer acção armada ou guerra contra Timor-Leste por país ou grupo estrangeiro, é punido com pena de prisão de 10 a 20 anos.
Artigo 199º
Campanha contra esforço pela paz
Aquele que, sendo timorense ou residente em território nacional, em tempo de preparação ou de guerra, difundir por qualquer meio, de modo a tornar público, rumores ou afirmações, próprias ou alheias, que saiba serem, total ou parcialmente, falsas, para prejudicar o esforço pela paz de Timor-Leste ou para auxiliar o inimigo estrangeiro, é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.
Artigo 222º
Impedimento ou perturbação de cortejo, cerimónia ou culto
Quem impedir ou perturbar a realização de cortejo ou cerimónia fúnebre ou o exercício de culto religioso por meio de violência ou ameaça de violência ou qualquer outra forma de coacção, é punido com pena de prisão até 2 anos ou multa.
Artigo 230º
Obstrução a candidatura
Quem, por qualquer modo, impedir outra pessoa, partido ou força política que sabe terem direito, a concorrer a acto eleitoral, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
Artigo 231º
Candidato inelegível
1. Quem, sabendo que não tem capacidade eleitoral para ser eleito, apresentar a sua candidatura, é punido com pena de prisão até 1 ano ou multa.
2. A tentativa é punível.
Artigo 240º
Violação do segredo de escrutínio
Quem em acto eleitoral realizado por escrutínio secreto, violar tal segredo, tomando ou dando conhecimento do sentido de voto de outra pessoa, é punido com pena de prisão até 1 ano ou multa.
Artigo 255º
Furto de uso de veículo
1. Aquele que utilizar automóvel ou outro veículo motorizado, aeronave, barco ou bicicleta sem autorização de quem de direito, é punido com pena de prisão até 2 anos ou multa.
2. A tentativa é punível.
Artigo 286º
Não participação
Quem, tendo conhecimento da prática de um crime público e, estando obrigado a participá-lo, não o fizer, é punido com a pena correspondente ao crime que encobriu reduzido de dois terços nos seus limites mínimos e máximos.
Artigo 288º
Prevaricação de advogado ou defensor público
1. O advogado ou defensor público que intencionalmente prejudicar causa entregue ao seu patrocínio é punido com pena de prisão de 1 a 4 anos.
2. O advogado ou defensor público que, na mesma causa, advogar ou exercer a defensoria relativamente a pessoas cujos interesses estejam em conflito, com intenção de actuar em benefício ou prejuízo de algum deles é punido com pena de prisão de 2 a 6 anos.
Entrada do Tribunal Distrital de Dili