quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Eu prevarico, tu prevaricas, nós prevaricamos

O português Antônio Barbedo de Magalhães, autor de uma obra excelente sobre a história de Timor Leste, ao explicar sobre a crise política de 2006, ressalta o seguinte:

"A frustração da população timorense resultou, também, da experiência anterior, durante a ocupação indonésia. Com o objectivo, em grande parte, de tentar 'conquistar os corações' e enfraquecer as resistências, nos finais da década de noventa a Indonésia injectou cerca de mil milhões de US dólares por ano na 'sua província' de Timor Timur. Parte destinou-se a obras públicas de utilidade geral  (estradas, escolas, hospitais, etc.) e parte para oferecer aos timorenses dezenas de milhares de empregos como funcionários, para quase nada fazerem. (...) Além disso, o Governador e outras autoridades tinham uns grandes 'sacos azuis', com dinheiro de uso livre, fora de qualquer contabilidade, para acorrer a dificuldades, criar uma mentalidade de dependência e 'comprar amizades' ou, no mínimo, cumplicidades, em relação aos timorenses necessitados." (Timor Leste - Interesses internacionais e actores locais, v. III, ed. Afrontamentos, Portugal, 2007).

Hoje, conseguir atendimento em certos estabelecimentos públicos depois das três da tarde é um desafio. O Hospital Nacional daqui, a partir de certo horário, vira um dormitório. Dá pra fazer gincana: quem achar um dentista ganha dois dias de folga. Pessoas programam sua agenda assim: "segunda-feira vou ter diarréia, quarta dor de cabeça e quinta indisposição." E nem estou falando dos esquemas de corrupção arquitetados com a malícia de uma criança de três anos. O Ministério Público se esbalda. E em época de racionamento de energia elétrica, a coisa fica ainda mais fácil. Se acabar a luz, é só pegar a mochila e ir embora pra casa.

4 comentários:

  1. Você está mesmo em Timor Leste? Nunca fui pra essas bandas e sua descrição do serviço público me parece tão familiar...
    Prevariquemos, então.

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  2. É complicado e dá o que pensar. Os nossos dois postulantes ao cargo de Presidente estão prometendo comprar os brasileiros... um pela manutenção dos atuais programas assistencialistas e o outro pelo aumento do valor dos citados programas, aumento exagerado do mínimo e os 10% sobre as aposentadorias. Sei não... acho que vamos ficar iguais aos timorenses..... a maioria já adora mesmo uma mordomia...Bjs

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  3. Azarão, que bom recebê-lo aqui! Afinal de contas sou um admirador assumido dos seus textos.
    Vim parar nessas bandas do Timor por conta de um acordo do Itamaraty para fortalecer o sistema de justiça daqui. Atuo como defensor e treino os defensores estagiários. O funcionalismo público timorense é quase uma réplica do brasileiro. A raiva que eu passo, portanto, se repete. Um abraço.

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  4. Tinina, a situação no Brasil tá preta. Difícil escolher entre candidatos tão ruins. Se eu estivesse aí, anulava de novo.
    O caso timorense é reflexo de manipulação constante há séculos. Portugal, Indonésia e Austrália. Overdose de sacanagem. Beijos!

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